quinta-feira, 21 de março de 2019

"Como a sombra que passa" em análise

Como a Sombra que Passa
Antonio Muñoz Molina

Opinião:
Identifico-me com este romance por várias razões. Sou lisboeta e adoro a cidade. Sou da mesma geração do escritor, tenho muitos gostos em comum, não só na literatura, como na música e também no cinema, Todos aqueles livros, músicos, atores, filmes que estão nomeados no romance são também os meus preferidos. Tenho-os em casa. No jazz: Chet Baker, Charlie Parker, Billy Holiday, John Coltrane, Dexter Gordon, Miles Davis e tantos outros.  Muitos destes, tive a oportunidade de ver e ouvir, apesar de ser muito jovem. Vi-os no mítico Festival de Jazz de Cascais. Este Festival havia de marcar os meus gostos musicais para sempre. Molina escreve "Eu amava o jazz, mas acho que amava ainda mais os músicos de jazz". E eu também. Depois temos os livros e os escritores, tantos de quem gosto e que cresci com eles como Baudelaire, Artaud, Flaubert, William Faulkner, Fitzgerald, Brecht e outros.  Os poetas Fernando Pessoa e Mário Césariny, Garcia Lorca e tantos outros. Depois temos o Jumi Hendrix e Lou Reed. Uau! Sublimes. A música de cabaré de Kurt Weill, que algumas vezes escutei no Alcântara Café. Os filmes de Fellini, a música de Gato Barbieri no Último Tango em Paris e a de Ennio MOrricone no filme Era uma vez na América. Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, 1900, O Império dos Sentidos, todos filmes que permanecem nas nossas memórias para sempre.

Neste romance encontramos os passos de muitas pessoas e muitas sombras. Encontramos os passos de Ray, um assassino e os de Molina e também lá vejo os meus, em muitos locais de Lisboa, nomeadamente na Praça da Alegria, onde se localizava o Hot Clube de Portugal. Vou até à infância e com a mão dada à da minha mãe, também poderia ter cruzado os meus pequenos passos com os do assassino de Martin Luther King.

Depois há muitas frases neste livro que me dizem tanto e me fazem pensar, como por exemplo, atrás das portas da ficção o que há é um vazio, semelhante ao que existe atrás do cenário de um filme, a nossa realidade será assim tão vazia? o que fazemos sem a arte? Essa mediocridade que perdura no tempo e por isso, precisamos mesmo de estar dentro da ficção, como a paixão deve ser ilícita e clandestina, porque o matrimónio é aborrecido e a imaginação é mais rica e mais poderosa do que a realidade e o desejo mais valioso do que a satisfação.

Sempre gostei da noite e Molina escreve que a noite era mais poética de que o dia. Acredito como Molina há um instante qualquer que nos guia ao acaso, até às coisas que mais nos vão agradar, como um acaso me levou a este livro de Molina para fugir ao romance histórico, puro e duro, para a seleção de livros para esta edição da Comunidade de Leitores, como um acaso levou o escritor a ler o artigo de Vladimiro Nunes, no jornal Sol e a consequência de escrever um livro sobre o assassino de Martin Luther King e a regressar a Lisboa.

O escritor conta-nos a história de um assassino, que é provavelmente o menos importante do livro ou como diz Molina: queria contar uma novela, mas também como se constrói uma novela e foi isso que fez com grande mestria. Revisitou um outro livro O Inverno em Lisboa que muitos anos antes o havia trazido a Lisboa e nos tinha  contado uma história sublime, de mistério e paixão, sempre com o jazz em fundo, numa Lisboa noturna, que nos convida a deambular, a parar para beber algo forte e fumar um cigarro num qualquer bar no Cais do Sodré. Do mesmo modo que a neblina e as águas do Tejo isolavam Lisboa do Mundo, tornando-a não um lugar, mas uma paisagem do tempo, ele percebia pela primeira vez na vida a absoluta insularidade dos seus atos: ia-se tornando tão alheio ao seu próprio passado e ao seu futuro como aos objetos que o rodeavam de noite no quarto do hotel. Por vezes, é preciso alhearmo-nos da realidade e é por isso que é tão bom ler os romances de Antonio Muñoz Molina.
Maria Rijo

                                           Vladimiro Nunes, editor da ed. Ponto de Fuga









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