Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes de Mathias Énard foi a obra literária que esteve em análise no passado dia 15 de novembro, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Loures. A partir deste livro encheu-se uma mesa de cultura - livros, fotografias, objetos e outras coisas boas para no final da sessão podermos degustar.
Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes
Construir uma ponte, não sob o
estreito de Bósforo, mas entre a cultura, Miguel Ângelo, a literatura, a
poesia, a pintura e a escultura. Vamos ver se a nossa ponte não é só um esboço
de ponte.
Estamos perante um livro com poucas
páginas, capítulos curtos, com um ritmo, que segundo o autor tem a ver com o
ritmo do próprio Miguel Ângelo. Aliás o autor diz numa entrevista que o livro
foi pensado como um “sketchbook” (livro de esboços), como os desenhos do
próprio Miguel Ângelo. Mesmo o autor considerando-o um esboço, apresenta-nos um
texto muito rico, belo e poético e é uma pérola, porque nos remete para o
conhecimento, não só da vida do artista, mas para o conhecimento de um modo geral.
Porque com este livro procuramos saber mais coisas. O próprio autor refere que
teve de pesquisar muito para construir esta narrativa, e que demorou três anos
a escrevê-lo.
A história deste livro é muito
engraçada, porque o autor parte de um suposto convite do Sultão Bayzid (que
reinou durante 31 anos, em Constantinopla.) e conta-nos um episódio da vida do
grande artista Miguel Ângelo – a sua ida para Constantinopla (1506). ( o
convite parece que existiu e ao que parece poderão existir esboços dessa ponte,
mas Miguel Ângelo parece que nunca esteve em Constantinopla). João Paulo
Oliveira e Costa, explicou numa sessão que existem os chamados buracos na
história, entre as fontes , um hiato de tempo, que levam os ficcionistas a usar da sua
imaginação e escreverem romances do género histórico por conta disso. Este
parece ser o caso.
Miguel Ângelo, teria 31 anos e já era
um conceituado artista ou mesmo o maior daquele tempo, muitas vezes comparado a
Leonardo Da Vinci que era 20 mais velho.
Tem uma oferta simpática de uma
quantia avultada de dinheiro, por parte do Sultão e estando desavindo com o
Papa Júlio II, terá aceitado. Há um pormenor que acaba por ser decisivo para
ele aceitar o convite que foi o facto de Leonard Da Vinci ter sido
anteriormente convidado e já ter feito um esboço para a tal ponte ser
construída sobre o Corno de Ouro – uma ponte que unirá o lado ocidental do lado
oriental da capital do Império Otomano. Consta que o Sultão terá rejeitado o
projeto de Leonardo Da Vinci por não gostar dele esteticamente. O orgulho fala
mais alto e leva Miguel Ângelo a aceitar.
Através desta obra literária também
ficamos a conhecer um pouco do que era Constantinopla naquela época. Uma cidade
cheia de gente de todas as crenças – os judeus, tinham sido expulsos de
Portugal e também de Espanha, e os mouros haviam perdido o reino de Granada.)
Portanto é uma Constantinopla de muitas línguas e culturas. Mathias Énard, é um
escritor francês, premiado com o mais prestigiado prémio literário da França, o
Prix Goncourt (com o livro Bússola, em 2015. Também recebeu o prémio Prix
Décember, 2008 pelo seu livro Zona e por este “Fala-lhes de batalhas, de reis e
de elefantes” Prix Goncourt Lycéene, 2010. Tem seis romances, mas penso que só
três estão traduzidos na língua portuguesa.
O autor viveu mais de 10 anos no Oriente,
nomeadamente na Síria, na Líbia, Irão e Egito que ao todo faz mais de 10 anos.
Sempre se interessou pela cultura oriental, estudou árabe e persa e é um
académico especialista em literatura oriental.
É professor de árabe na Universidade de Barcelona, cidade onde vive.
É uma das vozes mais relevantes da
literatura francófona. O autor já esteve em Portugal na Noite de Literatura
Europeia.
Énard com este texto mostra-nos uma
possibilidade de relações entre o Ocidente e o Oriente.
Com este livro chama a atenção para
outras pontes, penso que metaforicamente o autor alerta para a necessidade de
se estabelecerem pontes entre o ocidente e o oriente. No livro diz-se “São
belas as pontes, se perdurarem”. É uma visão muito interessante.
O autor ficciona também uma relação
com o poeta Mesihi (que existiu e foi um mestre da renovada poesia otomana). O
poeta apaixona-se pelo escultor, que por sua vez sonha com a dançarina, vinda
da Al-Andaluz (depois dos reis católicos terem destruído aquele lugar de
coexistência pacífica entre muçulmanos, judeus e cristãos). São pessoas muitos
diferentes do artista, mas que nos transporta para a ideia de nos relacionarmos com o outro e aceitarmos
as diferenças dos outros.
Parece haver um jogo de oposições que se desenvolve no texto. Papa /
Sultão; Cristão / muçulmano; guerra / poesia; leste / oeste; homossexualidade
/ heterossexualidade. De fato, a construção dessa ponte aparece na história
como a solução.
É um livro brilhante que desafia o
mito, a imaginação e a fantasia. O autor faz-nos entrar na mente de um génio,
que é um turbilhão de ideias e que contribuiu um mundo mais belo, porque
podemos ainda hoje apreciar as suas esculturas e pinturas. Através deste livro
poderemos fazer uma viagem pela arte e por isso este livro está recomendado no
PNL para jovens para motivar ao conhecimento das obras de arte espalhadas por
Itália (sobretudo Florença e Roma).
Pietá de Miguel Ângelo