sábado, 24 de fevereiro de 2018

Quando a literatura é arte em debate na 4ª sessão da Comunidade de Leitores

Realizou-se mais uma sessão da comunidade de leitores, no dia 15 de fevereiro de 2018. 





Ali Smith
Nao sei muito sobre Ali Smith. Apenas que é escocesa e vive em Camdridge. Autora de vários romances, suponho que de 8 ou 9,  nem todos traduzidos    e autora de contos e de  peças de teatro. Tem recebido diversos prémios literários e várias vezes finalista do Man Booker Award.
As suas obras mais conhecidas são “The Accidental”  e “Amor Livre e Outras Histórias” (Quetzal 2011).
Outono é o primeiro romance de um quarteto.  Segue-se O Inverno  que já foi editado, mas somente na línga inglesa (novembro 2017). A escritora afirma que são livros sobre as quatro estações do ano que simbolizam as idades da vida.
Outono
Este é um livro que gostei bastante. É o mais poético desta edição da comunidade de leitores “Literatura ou realidade”. É um livro que nos remete para a arte e talvez por isso, seja um livro tão rico, tão cheio de coisas, que é até dificil falar dele. A autora disse numa entrevista,  “O papel da arte é simplesmente ser arte – ser criação, o lugar onde as nossas imaginações se encontram, conhecer o mundo em que vivemos e conhecer as histórias e as possibilidades futuras do mundo, e conhecermo-nos a nós, e à nossa própria imaginação.”
E quando ela diz que o papel da arte é simplesmente ser arte diz tudo, porque a arte mexe e remexe em tudo, e também nas nossas emoções, no nosso pensamento, na nossa memória e apela constantemente à nossa imaginação.
Quando li o título  da exposição de Fernando Pessoa no Museu Reina Sofia, em Madrid (Pessoa. Toda a arte é uma forma de literatura) pensei – este livro é   literatura e portanto é forma de arte e a nossa arte, a dos leitores, é a de saber descodificar o pensamento da autora, através da imaginação e a capacidade de nos interrogar sobre o que lemos e de que forma a transpomos para a realidade que até pode ser só a nossa.  Daniel Gluck, quando encontrava Elizabeth perguntava-lhe “o que lês? Devemos estar sempre a ler alguma coisa, mesmo que não estejamos a ler fisicamente. Caso contrário, como seremos capazes de ler o mundo”. E é isto que é importante na literatura,  e em  particular neste livro, a importância da leitura e aquilo que possui e ao mesmo  nos despertar para outras coisas, ler outros livros, ver quadros, e lermos o que está à nossa volta.  Ali Smith,  basicamente diz-nos parem e olhem. O que significa tomar consciência de e agir.
Durante a leitura deste livro, às tantas quase esqueci a história e dei comigo a perguntar, o que é isto? Afinal de que fala este livro? E eu vejo-o de diferentes formas,  como uma tela pintada, que poderia ser um dos  quadros da artista plástica de pop art inglesa, dos anos 60,  Pauline Boty, (que a autora homenageia), uma vez que a sua pintura é feita  de colagens. E este livro também o é. É um livro de ideias e as ideias podem ser pedaços, colagens. A nossa vida também é  feita de colagens. A nossa vida são momentos.  E esses momentos são muita coisa, bons, maus, de acalmia, de descoberta, de tristeza, de alegria, de mudança,  de reflexão.
Portanto é uma história sobre o mundo em que vivemos, o presente e sobre nós - os que o lemos. Quem somos e o que fazemos na vida. Onde nos posicionamos. Mas é também um  livro sobre  a memória  e ao mesmo tempo, sobre o esquecimento. De como às vezes é preciso esquecer as coisas, como aconselha Daniel a Elizabeth “Não há mal nenhum em esquecer, sabes isso. É bom. Aliás, às vezes temos de esquecer as coisas. Esquecê-las é importante.  Fazêmo-lo de propósito. Significa que conseguimos algum descanso. Estás a prestar atenção? Temos de esquecer. Caso contrário, nunca mais voltaríamos a dormir”. E, é isso, muitas vezes não conseguimos dormir, porque as memórias de tanta coisa, não se descolam da nossa pele. Aqui, passei para um plano pessoal. Mas esses momentos, que são nossos, são um instante da vida.
E este instante da vida, que a autora nos fala, que pode ser uma coisa ou outra, remete-nos para a noção de tempo.  Como diz no livro,  “As coisas simplesmente aconteceram. Depois terminaram. O tempo simplesmente passou”...  Isto parece simples, dito assim, mas não é, quando pensamos nisso. Mesmo que deitemos o relógio de pulso água, como o fez Daniel, a vida continua mesmo sendo fugaz, como uma estação, como o outono, como foi fugaz a vida de Pauline Boty e também a do poeta John Keats, que morreram jovens, e por isso tem de ser vivida extroardinariamente, no entanto, não é isso que acontece. E passamos para o plano do mundo.E lemos o texto das páginas 19 e 20, que ouvinos aqui lida. O contraste da vida  que nos é mostrado numa só  imagem, numa praia, onde tanta coisa aconteceu. É um texto belo, mas ao mesmo tempo, é um texto carregado de tragéda, uma realidade muito dura e que imediatamente nos leva a imaginar os refugiados que morreram afogados. Pessoas que procuravam uma vida e confrontam-se com a morte e há  os outros que apanham banhos de sol, na mesma praia e também são humanos.  É de uma brutalidade incrível, mas o texto é poesia.
E aqui  tomamos consciência que vivemos uma vida a mando de outros, que querem que sejamos todos iguais, como a escritora retrata de forma masgistral e com grande humor  o episódio nos correios, que o funcionário, o burocrata diz que o rosto de Eliazabeth não tem as medidas certas para o passaporte. Nós não somos iguais, pois não. Aqui passamos para a humanidade.
A autora disse numa entrevista que os personagens - Elizabeth e Daniel, seres humanos, seres no tempo e por isso frágeis. Um dia morrem e nessa inevitável banalidade de finitude são universais, intemporais, humanos. Somos um circulo e a história é circular. Ela diz, “Haverá sempre, mais história. É isso que a história é. É a ininterrupta queda das folhas”. Nós somos um ponto, mas somos importantes neste circulo. E por tudo isto, e porque a nossa vida é tão fugaz, deveríamos ser muito mais, simplesmente mais humanos. A escritora aconselha-nos “Vamos andar uns nos sapatos dos outros para ver o que significa realmente estar vivo. E em oposição fala-nos do outro lado, através de um livro  de Shakespeare, “A tempestade” para nos alertar para a luta pelo poder, pela colonização (É a história sobre uma pequena ilha  onde as pessoas lutam pelo poder, pela propriedade). O querer ser dono de. Depois de sabermos da finitude, continuamos a ser tremedamente desiguais. Construimos vedações, numa aldeia canrracuda.  É o fim do diálogo, diz-se no livro.
Este livro tem dois personagens fascinantes.  Daniel Gluck com  101 anos e Elizabeth tem 32, são de tempos diferentes. Daniel é umvelho enquanto Elizabeth é uma jovem.  Daniel dorme e sonha,  e Elizabeth é a personagem do mundo atual. É ela que está acordada e por isso compete-lhe  a mudança do mundo, do admirável mundo novo, velho para ele e novo para ela.
A escrita de Smith relaciona-se entre a morte e a vida,  o passado e o presente, a arte e a vida. Li algures que uma das funções da arte é ver o que está diante dos nossos olhos. Na realidade não vemos o que está diante dos nossos olhos. (vemos a imagem da praia). É essa reflexão que Ali Smith quer que façamos e apesar da metáfora do outono, que sugere melancolia e  apesar da luz do verão estar desaparecendo, termina com uma mensagem de esperança, quando diz, “ há uma rosa aberta, ainda. Veja se lhe a cor.
Maria Rijo



quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Bibliotecas

As bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar.
   Os livros são parentes directos dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens e, como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se entrassem dentro do próprio ar, a ver o que existe para depois do que não se vê. 
   O leitor entra com o livro para o depois do que não se vê. O leitor muda para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo... Continuar a ler

[Valter Hugo Mãe, in "Contos de cães e maus lobos]