Realizou-se mais uma sessão da comunidade de leitores, no dia 15 de fevereiro de 2018.
Nao sei muito
sobre Ali Smith. Apenas que é escocesa e vive em Camdridge. Autora de vários
romances, suponho que de 8 ou 9, nem
todos traduzidos e autora de contos e
de peças de teatro. Tem recebido
diversos prémios literários e várias vezes finalista do Man Booker Award.
As suas obras
mais conhecidas são “The Accidental” e
“Amor Livre e Outras Histórias” (Quetzal 2011).
Outono é o
primeiro romance de um quarteto. Segue-se
O Inverno que já foi editado, mas
somente na línga inglesa (novembro 2017). A escritora afirma que são livros
sobre as quatro estações do ano que simbolizam as idades da vida.
Outono
Este é um livro
que gostei bastante. É o mais poético desta edição da comunidade de leitores
“Literatura ou realidade”. É um livro que nos remete para a arte e talvez por
isso, seja um livro tão rico, tão cheio de coisas, que é até dificil falar
dele. A autora disse numa entrevista, “O
papel da arte é simplesmente ser arte – ser criação, o lugar onde as nossas
imaginações se encontram, conhecer o mundo em que vivemos e conhecer as
histórias e as possibilidades futuras do mundo, e conhecermo-nos a nós, e à
nossa própria imaginação.”
E quando ela diz
que o papel da arte é simplesmente ser arte diz tudo, porque a arte mexe e
remexe em tudo, e também nas nossas emoções, no nosso pensamento, na nossa
memória e apela constantemente à nossa imaginação.
Quando li o
título da exposição de Fernando Pessoa
no Museu Reina Sofia, em Madrid (Pessoa. Toda a arte é uma forma de literatura)
pensei – este livro é literatura e
portanto é forma de arte e a nossa arte, a dos leitores, é a de saber
descodificar o pensamento da autora, através da imaginação e a capacidade de
nos interrogar sobre o que lemos e de que forma a transpomos para a realidade
que até pode ser só a nossa. Daniel
Gluck, quando encontrava Elizabeth perguntava-lhe “o que lês? Devemos estar
sempre a ler alguma coisa, mesmo que não estejamos a ler fisicamente. Caso
contrário, como seremos capazes de ler o mundo”. E é isto que é importante na
literatura, e em particular neste livro, a importância da
leitura e aquilo que possui e ao mesmo
nos despertar para outras coisas, ler outros livros, ver quadros, e
lermos o que está à nossa volta. Ali
Smith, basicamente diz-nos parem e
olhem. O que significa tomar consciência de e agir.
Durante a
leitura deste livro, às tantas quase esqueci a história e dei comigo a
perguntar, o que é isto? Afinal de que fala este livro? E eu vejo-o de
diferentes formas, como uma tela
pintada, que poderia ser um dos quadros
da artista plástica de pop art inglesa, dos anos 60, Pauline Boty, (que a autora homenageia), uma
vez que a sua pintura é feita de
colagens. E este livro também o é. É um livro de ideias e as ideias podem ser
pedaços, colagens. A nossa vida também é
feita de colagens. A nossa vida são momentos. E esses momentos são muita coisa, bons, maus,
de acalmia, de descoberta, de tristeza, de alegria, de mudança, de reflexão.
Portanto é uma
história sobre o mundo em que vivemos, o presente e sobre nós - os que o lemos.
Quem somos e o que fazemos na vida. Onde nos posicionamos. Mas é também um livro sobre
a memória e ao mesmo tempo, sobre
o esquecimento. De como às vezes é preciso esquecer as coisas, como aconselha
Daniel a Elizabeth “Não há mal nenhum em esquecer, sabes isso. É bom. Aliás, às
vezes temos de esquecer as coisas. Esquecê-las é importante. Fazêmo-lo de propósito. Significa que conseguimos
algum descanso. Estás a prestar atenção? Temos de esquecer. Caso contrário,
nunca mais voltaríamos a dormir”. E, é isso, muitas vezes não conseguimos
dormir, porque as memórias de tanta coisa, não se descolam da nossa pele. Aqui,
passei para um plano pessoal. Mas esses momentos, que são nossos, são um
instante da vida.
E este instante
da vida, que a autora nos fala, que pode ser uma coisa ou outra, remete-nos
para a noção de tempo. Como diz no
livro, “As coisas simplesmente
aconteceram. Depois terminaram. O tempo simplesmente passou”... Isto parece simples, dito assim, mas não é,
quando pensamos nisso. Mesmo que deitemos o relógio de pulso água, como o fez
Daniel, a vida continua mesmo sendo fugaz, como uma estação, como o outono,
como foi fugaz a vida de Pauline Boty e também a do poeta John Keats, que
morreram jovens, e por isso tem de ser vivida extroardinariamente, no entanto,
não é isso que acontece. E passamos para o plano do mundo.E lemos o texto das
páginas 19 e 20, que ouvinos aqui lida. O contraste da vida que nos é mostrado numa só imagem, numa praia, onde tanta coisa
aconteceu. É um texto belo, mas ao mesmo tempo, é um texto carregado de
tragéda, uma realidade muito dura e que imediatamente nos leva a imaginar os
refugiados que morreram afogados. Pessoas que procuravam uma vida e
confrontam-se com a morte e há os outros
que apanham banhos de sol, na mesma praia e também são humanos. É de uma brutalidade incrível, mas o texto é
poesia.
E aqui tomamos consciência que vivemos uma vida a
mando de outros, que querem que sejamos todos iguais, como a escritora retrata
de forma masgistral e com grande humor o
episódio nos correios, que o funcionário, o burocrata diz que o rosto de
Eliazabeth não tem as medidas certas para o passaporte. Nós não somos iguais,
pois não. Aqui passamos para a humanidade.
A autora disse
numa entrevista que os personagens - Elizabeth e Daniel, seres humanos, seres
no tempo e por isso frágeis. Um dia morrem e nessa inevitável banalidade de
finitude são universais, intemporais, humanos. Somos um circulo e a história é
circular. Ela diz, “Haverá sempre, mais história. É isso que a história é. É a
ininterrupta queda das folhas”. Nós somos um ponto, mas somos importantes neste
circulo. E por tudo isto, e porque a nossa vida é tão fugaz, deveríamos ser
muito mais, simplesmente mais humanos. A escritora aconselha-nos “Vamos andar
uns nos sapatos dos outros para ver o que significa realmente estar vivo. E em
oposição fala-nos do outro lado, através de um livro de Shakespeare, “A tempestade” para nos
alertar para a luta pelo poder, pela colonização (É a história sobre uma
pequena ilha onde as pessoas lutam pelo
poder, pela propriedade). O querer ser dono de. Depois de sabermos da finitude,
continuamos a ser tremedamente desiguais. Construimos vedações, numa aldeia
canrracuda. É o fim do diálogo, diz-se
no livro.
Este livro tem
dois personagens fascinantes. Daniel
Gluck com 101 anos e Elizabeth tem 32,
são de tempos diferentes. Daniel é umvelho enquanto Elizabeth é uma jovem. Daniel dorme e sonha, e Elizabeth é a personagem do mundo atual. É ela que está acordada e por isso compete-lhe a mudança do mundo, do
admirável mundo novo, velho para ele e novo para ela.
A escrita de Smith relaciona-se entre a morte e a vida, o passado e o presente, a arte e a vida. Li
algures que uma das funções da arte é ver o que está diante dos nossos
olhos. Na realidade não vemos o que está diante dos nossos olhos. (vemos a
imagem da praia). É essa reflexão que Ali Smith quer que façamos e apesar da
metáfora do outono, que sugere melancolia e
apesar da luz do verão estar desaparecendo, termina com uma mensagem de
esperança, quando diz, “ há uma rosa aberta, ainda. Veja se lhe a cor.
Maria Rijo