quarta-feira, 18 de junho de 2014

Texto do escritor Luis Cardoso de Noronha

Aos leitores agradeço o interesse pelo meu livro. Os meus votos de uma feliz Travessia através do Requiem para o navegador solitário. Para vós dedico a minha crónica O Apelo do Mar em Travessias Luís Cardoso. Abraço
O APELO DO MAR
A primeira vez que se olha para o mar fica-se com a vontade de fazer uma viagem para o outro lado, atravessando essa enorme extensão de águas. Não sei se é essa a razão que faz com que muitos se tenham virado para o mar, em busca de liberdade, de paz, do silêncio, da solidão, da explicação da vida, deles próprios, a fuga ou o retorno. Razões íntimas que ultrapassam os enredos que cada um possa forjar, para explicar o apelo do mar.
Rui Cinatti, português, poeta, silvicultor, antropólogo e estudioso de Timor dedica o seu poema Visão a Alain Gerbault, a quem presta homenagem pelo facto de lhe ter dado a conhecer as fabulosas ilhas dos mares do sul e a cultura dos povos insulares.
Eram ilhas
Hercúleas: coroas
Vegetais sobrenadando
Altos castelos submersos e, apenas,
(«Sepultem-me no mar, longe de tudo»),
Alain,
Entre vagas, velas e gaivotas.
Timor está consagrado como a ilha do sândalo branco. Camões escreve no Canto Décimo dos Lusíadas Ali também Timor que o lenho manda sândalo salutífero e cheiroso. Também é local de passagem. Assim acontece com a primeira viagem de circum-navegação, que o cronista António Pigafetta reporta no seu livro de bordo Relazione del primo viaggio intorno al mondo. Mais tarde os portugueses transformam a ilha num local de desterro para muitos dos opositores ao regime de Salazar. Quando Alain Gerbault chega a Díli, Timor encontra-se num momento de tensão. A guerra está prestes a eclodir no Oriente. O território declarado neutro por Salazar sofre pressão tanto das forças aliadas como das japonesas. Alain é uma celebridade. As autoridades dispensam-lhe alguma atenção e chega mesmo a disputar partidas de ténis com residentes. No entanto adoece e acaba por falecer no dia 16 de Dezembro de 1941, no Hospital de Lahane. A sua morte não tem a devida atenção pela comunicação social por causa da guerra na Europa e da iminência da sua eclosão na Ásia.
Cinatti vai para Timor após a ocupação japonesa. É no cemitério de Santa Cruz que localiza e assinala a campa de Alain Gerbault, o navegador solitário, cujos restos mortais são levados posteriormente pela marinha francesa para Bora Bora.
O meu interesse pela vida e obra do navegador solitário francês começa a partir do momento em que tomo conhecimento da sua morte em Timor. Numa ilha considerada local de passagem e porto de abrigo para viajantes.
Fazer uma grande viagem pelo mar é o sonho de qualquer criança que viva numa ilha. Lembro-me dum episódio na infância, passado na ilha de Ataúro, com um grupo de amigos. A nossa primeira tentativa de fuga ao lar. Mais do que uma fuga era a nossa vontade de descobrir o que havia para lá dos mares. A viagem que seria o princípio do conhecimento do Universo. À procura de encontros imprevistos. Uma tentativa para romper com o cerco da ilha, cuja circunstância geográfica foi aproveitada como prisão para deportados. Um banco de corais não nos deixou ir mais longe. A piroga ficou encalhada nas pedras que emergiam do fundo do mar. O nosso sonho ficou por aí. É essa a razão que me leva a escrever romances que têm como pano de fundo as grandes viagens marítimas. Uma das quais feita por Alain Gerbault que celebro no meu livro Requiem para o navegador solitário.
A morte de um estrangeiro é sempre motivo de constrangimento por não ter o devido acompanhamento por parte de familiares e de amigos. Cada um devia morrer no local onde nasceu, devolvendo à terra tudo o que esta lhe deu em vida. Assim diz uma lenda que li algures. Tendo partido em busca do sol, como sugere o título do seu livro A la poursuite du soleil, Alain Gerbault morre na ilha onde, segundo a mitologia timorense, nasce o sol, completando assim o seu ciclo de vida. Cinatti adivinha-lhe as últimas palavras:
- Sepultem-me no mar, longe de tudo

Entre valas, velas e gaivotas!
Luis Cardoso de Noronha

2014 - 5ª sessão - "Escritores Diferentes. Uma Só Língua"

Requiem para um navegador solitário de Luis Cardoso de Noronha
Deu-se início a esta sessão dedicada a Timor ouvindo a lenda da criação deste País interpretada por Orlanda Rodrigues. De seguida Adriana Lopes leu  um texto  enviado pelo escritor Luis Cardoso de Noronha  dedicando a crónica "O apelo do mar" a todos os leitores desta comunidade.
Uma sessão agradável e informativa porque  ficámos a conhecer um pouco mais da história de Timor, num período conturbado entre o Ocidente e o Oriente, num cenário de 2ª Guerra Mundial e ainda ficámos a conhecer um pouco do seu imaginário mítico.
Terminámos com a prova dos doces timorenses Mano Tem, fritos que são considerados como a salvação das donas de casa timorenses quando  estas recebem uma visita inesperada e acompanhámos com um capilé que a equipa da BMJS preparou.






A Lenda de Timor


Em tempos que já lá vão, vivia na ilha Celebes um crocodilo muito velho, tão velho que não conseguia caçar os peixes do rio. Certo dia, morto de fome, decidiu aventurar-se pelas margens em busca de algum porco distraído que lhe servisse de refeição. Andou, andou, até cair exausto e desesperado, sem forças para regressar à água. Quem lhe valeu foi um rapaz simpático e robusto que teve pena dele e o arrastou pela cauda.
Em paga pelo serviço prestado, o crocodilo ofereceu-se para o transportar às costas sempre que ele quisesse navegar. Foi assim que começaram a viajar juntos.
Mas, apesar da amizade que sentia pelo rapaz, quando o crocodilo teve novamente fome, lembrou-se de o comer. Antes, porém, quis ouvir a opinião dos outros animais e todos se mostraram indignadíssimos. Devorar quem o salvara? Que terrível ingratidão! Envergonhado e cheio de remorsos, o crocodilo resolveu partir para longe e recomeçar a sua vida onde ninguém o conhecesse. Como o rapaz era o único amigo que tinha, chamou-o e disse-lhe assim:
- Vem comigo à procura de um disco de ouro, que flutua nas ondas perto do sítio onde nasce o sol. Quando o encontrarmos seremos felizes. Mais uma vez viajaram juntos, agora sulcando o mar que parecia não ter fim mas, a certa altura, o crocodilo percebeu que não podia continuar. Exausto, deteve-se na intenção de descansar apenas um instante mas, logo que parou, o corpo transformou-se numa ilha maravilhosa! O rapaz, que se viu homem feito de um momento para o outro, verificou, encantado, que trazia ao peito o disco de ouro com que o crocodilo sonhara. Percorreu então as praias, as colinas e as montanhas e compreendeu que aquela era a ilha dos seus sonhos. Instalou-se e escolheu o nome para a ilha. Chamou-lhe Timor, que­ significa "Oriente".
Pois é. Como já devem ter percebido, esta lenda surgiu para tentar explicar a forma especial que tem a ilha de Timor. Parece um crocodilo a nadar.