sexta-feira, 25 de dezembro de 2015










Natal

Outro natal,
Outra comprida noite
De consoada
Fria,
Vazia,
Bonita só de ser imaginada.
Que fique dela, ao menos,
Mais um poema breve
Recitado
Pela neve
Ao cair, ao de leve,
No telhado.

Miguel Torga

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Do Blogue: HORAS EXTRAORDINÁRIAS

 
Do Blogue: HORAS EXTRAORDINÁRIAS
 
 
publicado por Maria do Rosário Pedreira.
 
Sou pouco tecnológica e fico triste quando vejo dois namorados a jantarem juntos num restaurante sem trocarem palavra e sem conseguirem desviar os olhos dos respectivos telemóveis. Tiram fotografias ao que comem, que logo põem no Facebook, e escrevem SMS a amigos entre garfadas. Quando marcam um encontro, o primeiro a chegar raramente consegue esperar uns minutinhos sem enviar ao outro uma mensagem a avisar que já lá está, se é que não faz imediatamente um telefonema, como se não conseguisse aguentar ficar sozinho aquele lapso de tempo (mas, quando o outro chega, mal lhe fala). Desde que os aparelhos se tornaram não só úteis nos momentos certos, mas imprescindíveis a toda a hora, as pessoas deixaram-se escravizar por eles. Mas há quem pense que essa dependência é nociva e tenha arranjado uma alternativa. Numa estação em Grenoble, para os que ficam à espera há máquinas que imprimem pequenos contos para quem se quiser entreter até vir o seu comboio. O passageiro pode, inclusivamente, escolher entre histórias de um, três ou cinco minutos – e o conto é «dispensado» pela máquina em papel de recibo, próprio para ser deitado fora depois de terminada a leitura. Uma ideia que era bom que pegasse em mais sítios, aumentando a instrução das pessoas e distraindo-as por uns instantes dos malfadados telemóveis.
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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Ainda, o desafio de Literatura à Desgarrada



Desde 2011 que “enamorava” este livro, Os enamoramentos de Javier Marias, só agora o consegui ler.
Um dos livros mais bonitos que li nos últimos tempos, não tanto pela história que conta, mas pelo modo como a Javier Marias a conta.
Maria é uma mulher independente, vive sozinha, trabalha numa editora e começa a dar-se conta todos os dias no café onde vai tomar o pequeno-almoço de um casal, um homem e uma mulher, a quem rapidamente põe a alcunha de “casal perfeito”, “era como se houvessem adquirido o costume de respirar juntos um pouco”.

Pouco tempo depois, sem razão aparente, o homem é morto por um arrumador de automóveis com três facadas. Este violento episódio e as motivações por detrás do crime, se é que houve algum motivo, podiam fazer deste livro um policial centrado na resolução desse enigma, mas este livro é muito mais do que isso. É uma reflexão sobre o espaço que os mortos ocupam entre nós, os vivos, uma reflexão sobre a dor extrema e uma reflexão sobre o que há de único e incompreensível nos enamoramentos.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Exposição "Urbano Tavares Rodrigues: Um percurso de liberdade"

"Urbano Tavares Rodrigues: um percurso de liberdade" é o título da exposição que está patente ao público no átrio da Biblioteca até 30 de janeiro de 2016, onde se pretende dar a conhecer UTR - a sua vida e a sua obra literária. É uma exposição na primeira pessoa - é Urbano que fala de si (em entrevistas dadas a diversos jornalistas), do seu percurso de vida enquanto homem livre, professor, jornalista, militante comunista e escritor.

Venha à tertúlia e aproveite para visitar a exposição!

Tertúlia literária à volta da vida e obra de Urbano Tavares Rodrigues


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Bibliotecas em Inglaterra


«A biblioteca medieval onde Marx e Engels escreveram o Manifesto Comunista, outra onde pode-se tocar bateria e jogar videogame, ou uma homenageando John Lennon.
Estas são algumas das maravilhosas e incríveis bibliotecas por onde passei aqui na Inglaterra.»

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Um Buraco na Estante: Desafio de leitura à desgarrada









Depois de ler Submissão de  Michel Houellebecq, autor que desconhecia, não resisti em ler este seu outro livro O Mapa e o Território. E fiquei absolutamente fã do autor.
Este livro é, à partida, um romance sobre um homem que se torna num caso de sucesso mundial através, primeiro, de uma série de fotografias que partiam dos mapas Michelin das diferentes regiões, depois de uma série de quadros a óleo onde retrata profissões, algumas já desaparecidas e outras entretanto surgidas. Mas depressa se torna num jogo de observação da realidade social.
Jed Martin, esse artista que vive mais preocupado com o aquecimento da sua casa do que com a mudança que poderia fazer com o dinheiro que recebeu, insiste em convidar um autor de romances para escrever o texto para o catálogo da sua exposição. O encontro com esse autor, Michel Houellebecq, permite que o autor do livro, o mesmo ou outro Houllebecq, produza considerações sobre a sua própria "persona" e, assim, se posicione e avalie em relação ao mundo social, cultural, político e filosófico onde é tido como figura referencial, apesar de polémico.
O Mapa e o Território não é apenas uma espécie de estado do mundo público, é também uma reflexão sobre o modo como a pressão social esmaga e sufoca o homem dito comum.

Carreira em oposição vida sentimental; Desprezo pelo dinheiro; Desprezo por obrigações; Vidas familiares vazias de sentido; Eutanásia; Utopias sociais. São estes os retratos ácidos que o autor nos leva a refletir e a discutir. Recomendo vivamente.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Um Buraco na Estante: Desafio de leitura à desgarrada

Um Buraco na Estante: Desafio de leitura à desgarrada:

Então aqui vai a resposta ao desafio:


 
 
Submissão de Michel Houellebecq foi um livro que "me encheu as medidas".
Passa-se em 2022 e François Hollande prepara-se para
terminar um apagadíssimo segundo mandato, durante o qual emergiu uma nova força
política: a Fraternidade Muçulmana, liderada por Mohammed Ben Abbes, um
excelente orador, subtil, inteligentíssimo, carismático (Um Obama árabe).
Quando a primeira volta da eleição presidencial confirma o colapso dos
tradicionais partidos do poder abre-se caminho ao triunfo de Abbes. França vive
num clima de guerra civil, com casos graves de violência urbana que são
silenciados pela comunicação social, por temor de que a sua divulgação favoreça
eleitoralmente a FN. Após as eleições, tudo se altera. O novo poder islâmico é
suave e Abbes leva a água ao seu moinho, sempre com pezinhos de lã. Nada de
imposições radicais da 'sharia' (a lei islâmica), nada de fundamentalismo. As
primeiras medidas - redução de impostos e mais apoios às pequenas empresas
familiares - trazem-lhe popularidade. O desemprego baixa vertiginosamente,
porque as mulheres são incentivadas a sair do mercado de trabalho. A dívida é
controlada. A economia cresce. Os focos de conflitos sociais desaparecem. A
criminalidade também. Instala-se uma inesperada paz social. E mais não conto. É
um livro que dá muito de que falar e pensar.

sábado, 24 de outubro de 2015

Desafio de leitura à desgarrada

Caros leitores,
Muitos de vós têm perguntado quando recomeçamos com as sessões da comunidade de leitores. Como Ana Gantes nos disse: "Preciso destes momentos..". A resposta é que ainda não sabemos. Mas, enquanto não se concretiza este nosso desejo, lanço um desafio a todos. O que temos lido? O que gostámos de ler? O que não gostámos? O que queremos partilhar? Dou o pontapé de saída.

Kinzentrationslager, Reichsfuhrer-ss, Henrich Himmler, Wehrkraftzersetzung, Postzensustelle, Helferinnem, Schwanz, Genickschuss, Kriegsgefangnisse, Sonderkommaandofuhrer, stumpfegger, productive vernichtung, nmensch, dumm rassenschande, furstengrube, Augen. Entre tiros na nuca e palavrões, Reichsfuhrer, extermínio produtivo. Sonderkommanofuhrer. Holocausto. Extermínio de judeus, principais vítimas do nazismo, embora outros também sofressem com a tirania nazi, como os ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais.  Este realismo amargo, que na obra literária nos é dado, não só por todos estes termos escritos na língua alemã, mas pela dureza das palavras escritas.
É um livro incómodo. Logo nas primeiras páginas, abandonei o livro. Quando li, na página 36, o pensamento do personagem Golo Thonsen, oficial nazi, de segunda linha - (...)"uma viagem confortável, seguida de uma reacção amistosa e digna. Realmente que necessidade é que nós tínhamos das estrondosas portas daqueles vagões, da luz brutal dos holofotes, da horrenda gritaria (Fora! Saiam! Depressa! Mais depressa! MAIS DEPRESSA!), dos caães, dos cassetetes, dos chicotes? E o KL? tinha um aspeto tão civilizado na penumbra que se adensava...E que magnífico o brilho das bétulas à débil luz do entardecer! Havia, tenho de admitir, o odor característico (e alguns dos nossos recém-chegados farejavam-no com pequenos movimentos para cima das cabeças), mas, no final de um dia de altas pressões e algo ventoso, mesmo isso não era nada de... Até que veio aquele miserável camião, do tamanho de uma camioneta de transporte (...). O tipo travou violentamente e o camião derrapou, aos solavancos, e só parou quando ficou atravessado nos carris, as rodas a ganirem em busca de apoio. Então, descaiu miseravelmente para a esquerda, a cobertura lateral mais próxima enfunou-se rumo ao céu e-durante 2 ou 3 segundos exatos - revelou a sua carga". Para mim era uma visão tão familiar como a chuva da primavera ou as folhas de outono (...)
Estas palavras revelam-nos as fotografias da realidade e não é fácil suportá-las. Martin Amis, através de dois dos principais personagens - Paul Doll, comandante do campo, em Auschwitz e Golo Thonsen, um jovem oficial em serviço no Konzentrationslager, é sobrinho de Martin Bormann, o influente secretário pessoal de Hitler - dá-nos uma perspetiva diferente do ódio dos nazis aos judeus, um ódio que como disse  Primo Levi "é um ódio que não existe em nós; existe fora do homem...".
Este é  um livro que acabei por ler e que  dará, certamente, para uma boa conversa!



quarta-feira, 23 de setembro de 2015












OUTONO

O outono vem vindo, chegam melancolias,
cavam fundo no corpo,
instalam-se nas fendas; às vezes
por aí ficam com a chuva
apodrecendo;
ou então deixam marcas; as putas,
difíceis de apagar, de tão negras,
duras.

Eugénio de Andrade, in 'O Outro Nome da Terra'

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Dia dos Sabores e Saberes na BMJS - 5 setembro


 Esta iniciativa, que contempla diversas atividades para toda a família, enquadra-se na mostra documental Entre tachos e livros, há sabores e saberes, que está patente no mesmo espaço municipal.
Aceite as sugestões literárias e gastronómicas desta mostra, que pretende ser um apelo aos sentidos. Deleite-se com as palavras, sinta o prazer que estas lhe podem oferecer e venha à Biblioteca dia 5 de setembro e… deguste, saboreie, devore e banqueteie-se com palavras e  alimentos saudáveis.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015


 











OS DIAS DE VERÃO
Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é o nosso corpo

Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é o nosso corpo

O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo
 
[Sophia de Mello Breyner Andresen
in Obra Poética, Volume III]

terça-feira, 30 de junho de 2015

"Cão Velho Entre Flores" num diálogo emprestado por Baptista-Bastos

Numa noite quente de verão chegámos ao final desta edição 2015 da comunidade de leitores da Biblioteca Municipal José Saramago, dedicada à literatura portuguesa contemporânea - "Este jeito de ser gente em Portugal".
Durante seis sessões reunimo-nos em serões bastante agradáveis. Falámos do 25 de Abril e "vivêmo-lo" na companhia de Lídia Jorge; falámos da descolonização e do retorno de muitos portugueses; falámos da emigração, no passado e no presente; do desemprego, também vivido pelo escritor Manuel Jorge Marmelo, como teve oportunidade de nos dizer pessoalmente; e de tantos outros assuntos que surgiram no decorrer das nossas conversas. Os olhares dos escritores foram muitas vezes os nossos. 
Neste espaço de "tertúlia literária" rimos, descobrimos que há alguns assuntos que ainda nos emocionam, outros que sabe bem revivê-los. É disto que é feita a literatura, de palavras, palavras que na boca do poeta "São como um cristal/as palavras/Algumas, um punhal/um incêndio/Outras/orvalho apenas/Secretas vêm, cheias de memória/Inseguras navegam/barcos ou beijos (...) (Eugénio de Andrade).
Nesta sessão os leitores tiveram gosto em "trajar" de laço. Baptista-Bastos usa sempre laço e como disse  em entrevista a Helena  Silva, "paginei o "Diário Popular" e a gravata, naquela tipografia tradicional, ficava sempre cheia de tinta. Passei a usar laço". O ato impunha-se, afinal íamos estar em diálogo com "Cão Velho Entre Flores", obra publicada em 1974 e que aborda um tempo - o tempo da Segunda Guerra Mundial - em Lisboa.
O Grupo Dramático e Recreativo Corações de Vale Figueira brindou-nos com uma leitura livre da obra e o diálogo fez-se ameno e consciente do que nós, portugueses, já vivemos neste nosso jeito.












Boas leituras e boas férias!

sexta-feira, 26 de junho de 2015

"E quem sabe o que nos vai acontecer pela vida fora? Uma interrogação abriu espaço ao diálogo.

E quem é que sabe o que nos vai acontecer pela vida fora? P. 29 

Mais uma vez me foi lançado o desafio de apresentar uma obra para a comunidade de leitores, e é com todo o gosto que aqui estou para tecer a minha leitura, ao mesmo tempo que aguardo com surpresa os vossos contributos para a interpretação deste texto literário.
Confesso de antemão que tenho este livro como um bom companheiro. É por certo um dos livros que revisito, e continuo a entrar nesta viagem, - a convite do autor, com espanto e alimentando-me de poesia na aflição de Manuel.
Por grande coincidência ou não também BB replica esta liberdade de entender, amar, sentir prazer ou “desajeitar-se” numa leitura.
Aqui neste espaço de partilha, seguramente não existe obrigatoriedade de leitura, ou de agradar a todos, no entanto quem lê, escolhe, seleciona, transforma, forma-se, forma o seu gosto leitor. Habitua-se à necessidade de ler.
BB no prefácio à sétima edição afirma: “Um livro vale o que vale, e nenhum prefácio altera para o mal ou para o bem, o que lá está dentro. Convido-o, pois a viajar comigo pelas ruas de uma infância aflita”.
Este prefácio ultrapassa e tradição frequente, de comentários preparativos da leitura que ajudam a determinar à partida, o seu leitor ideal, encontrando neste pré texto uma análise sólida, consciente acerca da literatura, da escrita, uma reflexão pessoal, marcadamente política e opinativa sobre o poder e a cultura.
As ruas que se nos oferecem como destino localizam-se em Lisboa na Ajuda, bairro que viu nascer Manuel - e onde viveu até à morte da mãe cancerosa. Já adolescente e, num segundo momento - estende-se por vários bairros onde se multiplicam as experiências de aprendizagem, momentos de iniciação, e, de crescimento até uma idade adulta.
Percorremos com ele: A calçada da Ajuda, o seu tejo, o quartel da guarda republicana, o cemitério, a taberna, não chegámos ao jardim colonial, mas as promessas foram regulares.
Num segundo tempo calcorreamos: as ruinas do carmo, o castelo de S. Jorge, O rio tejo visto agora de alfama, a baixa, o cais do Sodré e seus idílios, ainda os Bairros de Arroios, Lumiar, Graça…. E o telhado de casa.
É no fragmento do “pica” do elevador que ficamos a saber que Manuel já não é criança!
Situamo-nos então em Lisboa cidade adormecida por alturas da II guerra mundial sabendo que “Antes da guerra o tempo era favorável à afabilidade”; “havia intimidade”.
A neutralidade de Portugal salazarista na Guerra é aparente e a tragédia humana é acompanhada por notícias de jornais e relatos na rádio. Como sabemos todos, foram enviados jornalistas à BBC para darem conta, de modo filtrado, como era necessário ao regime, do que se passava na europa. Uma guerra lá fora mas que divide famílias cá dentro e levanta questões a todos:
Pai - Rebentou a guerra, P. 18; * paginação das edições ASA
Pai - É a guerra! P. 19.
Avô – o mundo agora vai piorar P. 21
Pai – Está tudo perdido para nós P. 21.
Manuel pergunta ao primo – Vão matar? P. 36
Manuel – Pai, como é que vamos de guerra? P. 40
Manuel - O pai ultimamente tem estudado a guerra? P. 62
Manuel - E quem é que sabe o que nos vai acontecer pela vida fora? P. 29 
Uma dessas famílias é a de Manuel, nome adotado pela personagem e roubada ao seu primo Manel, que sendo mudo produz discursos, explica, imagina, alivia dores. É esta personagem que o orienta pelas ruas do bairro que o viu nascer, onde se instalou a família alargada, os pais (que não se amam), os avós maternos (separados em afetos), o tio que não suporta o pai nem o cunhado e a tia (figura de carater desanimado).
A neutralidade de que se fala tanto não admite que a Guerra tenha dividido famílias portuguesas em anglófilos e germanófilos, mas foi o que aconteceu e a História nem sempre o diz. Portugal pactuou com uma frágil situação financeira e equilibrou-se através da exportação de volfrâmio para a arte da guerra; também recebeu refugiados… muitas crianças (entregues a famílias de acolhimento).
Com a Guerra começa a guerra em casa; Vejamos: Nesta incursão o tio e a mãe defendem um lado (ordem, disciplina); o pai e o avô “Aliados” – defendem militantemente no outro espectro político. A guerra acaba por durar toda a narrativa: Assim como a outra guerra, a da sobrevivência de Manuel, que parece começar quando o avô “um cão velho entre flores”, morre. Esse avô que mais não era do que um dos “cães velhos dos campos, que quando estão à morte, procuram as terras onde há flores para morrerem mais à vontade.”
Esta morte acaba por ser o início da procura de Manuel pelas suas flores; indesejado pela família da mãe, que vê nele um estorvo, e por vezes uma memória penosa para o pai, ele vai passeando por Lisboa, na companhia do seu primo Mudo; Também pela mão da avó e do pai, ou ainda, mais tarde de João e do Mágico, habitantes e amigos do seu pequeno mundo que se vai expandindo e sem retorno, tornando-o precocemente adulto.
Da leitura desta obra retiro momentos que me tocaram particularmente por tão bem expressos nas palavras medidas e imagens poéticas visionadas: a descrição pelo avô da figura do genro: “O teu pai é um artista; o teu pai é um bom homem, chefe de uma família empobrecida e gosta de sonhar”; a ida à embaixada por parte dos dois para manterem na lapela o emblema dos aliados ingleses revelando uma “cumplicidade sem palavras”; a questão do que é ser homem; a questão de onde reside a dignidade e da morte que é vista sem tabus, tal como a doença e a pobreza. “Agora sabia que eramos muito pobres”.
Para a estrutura da narrativa socorri-me de Maria Alzira Seixo:
1 - A viagem prometida por BB é uma viagem narrada essencialmente na primeira pessoa em tons intimistas e com uma clara tomada de posição ao estilo do escritor, com ocasionais fugas para a terceira pessoa, que acontece mais para o final da obra.
2 - Não é uma viagem alegre, é, isso sim, toda ela feita de um “vazio” nas personagens - parecem por vezes figuras que se movem ao sabor do vento - O que não implica necessariamente que sejam vazias
3- Outra característica é a ausência de grandes descrições. Tudo o que é dado é-o em tons impressionistas, sem contornos firmes, uma mancha que nos dá a entender o essencial, deixando o restante para o leitor imaginar. Retira-se deste modo, algum peso à obra, mas também uma certa sensação de profundidade. A organização em fragmentos ajuda à estratégia narrativa.
4 - Ao nível da escrita verifica-se um notável domínio de pontuação, - regula o ritmo da narrativa fazendo o leitor acelerar ao ponto de perder o folego, alternando com outra postura a de forçar o leitor a pausas para meditar no que lê.
Eu e a obra
Eu nascida em Lisboa em 1967 – longe portanto deste tempo da narrativa, ainda reconheço quadros da minha infância e de jeitos de ser gente em Lisboa: a ida de elétrico para a escola preparatória Manuel da Maia (com 10 anos) sendo o bilhete comprado à unidade e picado pelo “pica”.
Recordo as figuras do amolador de facas e de conserto de guarda chuvas (Estes ainda não extintos!), o padeiro à porta às 6 horas da manhã – transportado na sua bicicleta; as visitas de estudo já no Liceu Passos Manuel, ao Jardim botânico de Belém (reestruturado em plena Exposição do Mundo Português em 1940), e ao Palácio Nacional da Ajuda (erigido em final do século XVIII).
Ainda convivi com as lavadeiras de roupa com trouxas à cabeça, as costureiras que iam a casa recuperar e transformar as roupas de uns para outros, a ida à modista, as mercearias de bairro, a ida ao mercado da ribeira, os passeios a ver os Robertos no Parque Eduardo VII onde vendedoras de balões faziam pela sobrevivência; Também vendiam nougats. E dos bons! Os passeios à Alameda D. Afonso Henriques (1º rei de Portugal; conquistador de Lisboa aos mouros), Alameda essa, ex-libris do Estado Novo onde certo dia tirei uma foto à la minuta.
Mas BB trás para a sua narrativa muitas outras figuras: soldados, tropa, fiscal mor, chineses das gravatas, jornalistas e jornaleiros, ciganos, prostitutas, saltimbancos e vendedores, polícia, mestre-escola.
Estes fragmentos retenho-os em memória - mas foram abertos ao ler esta história e renasceram de novo para esta apresentação, memória essa e cito BB,” memória essa é que é efetivamente a ultima a morrer, e não a esperança”.
Para concluir e porque desde há muito que as palavras estão em festa, em liberdade, nesta comunidade de leitores de que fazemos parte, termino com este trecho que me emocionou por tão lúcido, onde as palavras dizem muito mais nos espaços de silêncio.
“Evocaria os anos de guerra e o que me sugeria: restrições, senhas de racionamento, bichas na madrugada para o pão e o carvão, troca de géneros, mercado negro, janelas com fitas gomadas, palavras misteriosas e belas: os Balcãs, os Sudetas, Varsóvia, Darnelos, mar de Mármara, Apeninos” p. 118

Com palavras …procurei responder à pergunta de uma personagem.
E quem é que sabe o que nos vai acontecer pela vida fora? P. 29 

Sabe a literatura!
Obrigada a todos.

Cristina Costa

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Última sessão da edição 2015 "Este jeito de ser gente em Portugal" - dia 25 de junho, às 21H00 na BMJS


Cão Velho Entre Flores de Baptista-Bastos é a obra literária escolhida para finalizar esta edição da Comunidade de leitores dedicada à literatura portuguesa contemporânea - Este jeito de Ser Gente em Portugal.
"Uma obra-prima. Um admirável e pessoalíssimo estilista." Foi assim que Alexandre Pinheiro Torres, um dos maiores e mais terríveis críticos literários portugueses, se referiu à obra.
No prefácio à sétima edição,  Baptista-Bastos escreve  "Os meus livros reflectem parte de um compromisso assumido: Pensar o País através de fábulas que, habitualmente, têm como cenário Lisboa e os Bairros." 
Baptista-Bastos conta-nos uma história passada em Lisboa, durante a Segunda Guerra Mundial. Manuel, o personagem principal,  viveu uma infância aflita no seio de uma família pobre e numa altura de vida  difícil para muitos portugueses.
Como diz Baptista-Bastos,"Todos os livros são diálogos emprestados".E nós dizemos,  venha dialogar sobre esta obra literária, que é uma pérola da nossa literatura.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Teatro Ibisco numa leitura encenada da obra "O Tempo Morto, É Um Bom Lugar" de Manuel Jorge Marmelo

Participação do  Teatro Ibisco (associação que trabalha para a inclusão social através da arte, em bairros sensíveis do concelho de Loures) esteve presente na 5ª sessão da comunidade de leitores da BMJS, realizada na Praça Amarela da Feira do Livro de Lisboa.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

A Comunidade de Leitores da BMJS esteve presente na 85ª edição da Feira do Livro de Lisboa

A convite da APEL a Comunidade de Leitores da BMJS esteve presente na 85ª edição da Feira do Livro de Lisboa,  um dos  certames mais importantes dedicados ao livro.

"O Tempo Morto, É Um Bom Lugar"  foi a obra escolhida para esta sessão que contou com a presença do escritor Manuel Jorge Marmelo. 

Os nossos leitores acorreram à Feira do Livro para esta sessão especial com satisfação, considerando uma iniciativa excelente a sua comunidade de leitores marcar presença na Feira do Livro de Lisboa, ao ar livre e na companhia do escritor Manuel Jorge Marmelo. Para além dos leitores habituais, outros leitores se juntaram a nós. Entre as presenças na plateia destacamos a do Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Loures Paulo Piteira.

Antes de iniciarmos a conversa com o escritor, assistimos a leituras encenadas da obra em debate, pelo Teatro Ibisco, associação que trabalha para a inclusão social através da arte, em bairros problemáticos do concelho de Loures.

Manuel Jorge Marmelo,  falou da sua obra que aborda a atualidade política e social em Portugal com enfoque no desemprego vivido pelo personagem da obra Herculano Vermelho, mas também por ele, autor da obra. Não sendo uma obra autobiográfica, como nos disse, partiu de uma realidade para contar esta história, que foi  do agrado dos nossos leitores que afirmaram  ficarem seus leitores. A conversa fluiu entre os personagens da obra e a vida do escritor, que conta já com cerca de 20 obras literárias editadas, entre crónicas, contos, teatro, literatura infantil e romances.Venceu dois Prémios Literários importantes em 2005, Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco, com a obra "O Silêncio de Um Homem Só" e em 2014 Prémio Literário do Casino da Póvoa, Correntes D'Escritas, com a obra "Uma Mentira Mil Vezes Repetida".
Sessão bastante participada onde o tempo foi escasso para mais perguntas ao escritor, como foi manifestado por alguns leitores.

A edição de 2015, dedicada à literatura portuguesa contemporânea e aos portugueses, com Este jeito de ser gente em Portugal, termina do dia 25 de junho com a obra "Cão Velho, Entre Flores" de Baptista-Bastos, às 21h00, na Biblioteca Municipal José Saramago. Até lá.

















sexta-feira, 29 de maio de 2015

Cidades Mais Literárias

Cidades mais literárias

Do Blogue Horas Extraordinárias
publicado por Maria do Rosário Pedreira,
 
No tempo em que andei na faculdade, havia uma cadeira de opção que me atraía (mas, por acaso, não cheguei a fazê-la) chamada Literatura e Artes Plásticas. É dessa agradável combinação que hoje se reveste o assunto deste post. O Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, em parceria com a Leya, lançou há tempos o desafio de, através das artes plásticas, serem decorados os simpáticos vidrões da cidade com intervenções de inspiração literária, mas com toda a liberdade criativa. Podia ser simplesmente a partir de uma frase, mas também da história contada em determinado livro ou até da obra de um certo autor – o que importava era que a literatura de língua portuguesa fosse homenageada nos 100 vidrões que estão espalhados por Lisboa. E os artistas nem tinham de ter formação específica ou mais de dezoito anos, a ideia era mesmo permitir a qualquer amante da literatura fazer bonito com o seu autor preferido num vidrão e trabalhar em grupo ou sozinho. Pois estamos quase a poder ver o resultado – e cá para mim, que não cheguei a fazer aquela cadeira na faculdade, misturar literatura e artes plásticas só pode ser bom.
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segunda-feira, 25 de maio de 2015

A Comunidade de Leitores da BMJS vai estar à conversa com Manuel Jorge Marmelo, na Feira do Livro de Lisboa, dia 6 de junho, pelas 18H00, na Praça Amarela

A 5ª sessão da edição 2015 subordinada ao tema "Este jeito de ser gente em Portugal" vai realizar-se no dia 6 de junho, pelas 18h00, na Praça Amarela da Feira do Livro de Lisboa. A obra literária em debate é "O Tempo Morto, é Um Bom Lugar" de Manuel Jorge Marmelo. Esta sessão contará com a presença do autor.


Neste livro o autor reflete sobre o nosso tempo,sobre o estado do nosso país, onde o desemprego atinge um grande número de pessoas, entre elas, uma percentagem elevadíssima de jovens.  O escritor escreveu este livro também na condição de desempregado, embora não considere este romance autobiográfico. É também um livro sobre jovens e a falta de perspetivas para as suas vidas, abordando a questão da participação em programas mediáticos como "tábua de salvação". Mas este romance é mais do que uma crítica ao país em que vivemos. Ele constitui uma grande interrogação sobre o nosso jeito de ser gente em Portugal. Afinal, será que o tempo morto é mesmo um bom lugar?
Manuel Jorge Marmelo leva-nos, de forma inteligente, a interrogar-nos sobre a nossa sociedade.

LEIA E PARTICIPE!










sexta-feira, 22 de maio de 2015

Poema de António Feliciano Castilho "Treze Anos", música Maio Moço.






OS TREZE ANOS
(Cantilena)

Já tenho treze anos,
Que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me,
Com Pedro gaiteiro.

Já sou mulherzinha;
Já trago sombreiro;
Já bailo ao domingo
Co’as mais no terreiro.

Já não sou Anita,
Como era primeiro,
Sou a senhora Ana,
Que mora no outeiro.

Nos serões já canto,
Nas feiras já feiro,
Já não me dá beijos
Qualquer passageiro.

Quando levo as patas,
E as deito ao ribeiro,
Olho tudo à roda
De cima do outeiro,

E só se não vejo
Ninguém pelo arneiro,
Me banho co’as patas
Ao pé do salgueiro.

Miro-me nas águas
Rostinho trigueiro,
Que mata d’amores
A muito vaqueiro.

Miro-me olhos pretos
E um riso fagueiro,
Que diz a cantiga
Que são cativeiro.

Em tudo, madrinha,
Já por derradeiro
Me vejo mui outra
Da que era primeiro.

O meu gibão largo
D’arminho e cordeiro
Já o dei à neta
Do Brás cabaneiro,

Dizendo-lhe –Toma
Gibão domingueiro,
D’ilhoses de prata,
D’arminho e cordeiro.

A mim já me aperta,
E a ti te é laceiro;
Tu brincas co’as outras,
E eu danço em terreiro.
Já sou mulherzinha,
Já trago sombreiro;
Já tenho treze anos,
Que os fiz por Janeiro.

Já não sou Anita,
Sou a Ana do outeiro;
Madrinha, casai-me,
Com Pedro gaiteiro.

Não quero o sargento,
Que é muito guerreiro,
De barbas mui feras,
E olhar sobranceiro.

O mineiro é velho;
Não quero o mineiro:
Mais valem treze anos
Que todo o dinheiro.

Tão pouco me agrado
Do pobre moleiro,
Que vive na azenha
Como um prisioneiro.

Marido pretendo
De humor galhofeiro,
Que viva por festas,
Que brilhe em terreiro.

Que em ele assomando
Co’o tamborileiro,
Logo se alvorote
O lugar inteiro.
Que todos acorram
Por vê-lo primeiro;
E todas perguntem
Se ainda é solteiro.

E eu sempre com ele,
Romeira e romeiro,
Vivendo de bodas,
Bailando ao pandeiro.

Ai, vida de gostos!
Ai céu verdadeiro!
Ai Páscoa florida,
Que dura ano inteiro!

Da parte, madrinha,
De Deus vos requeiro;
Casai-me hoje mesmo
Com Pedro Gaiteiro.


(António Feliciano de Castilho – 1800-1875)

A carta de Antero de Quental a António Feliciano de Castilho



quarta-feira, 20 de maio de 2015

Redescobrir: António Feliciano de Castilho



Dizia-vos eu, meus camponeses, que todos os poetas deveras eram vossos amigos; não há nada mais certo.
A Poesia nasceu nos campos, e por muito tempo só conheceu esse viver viçoso e perfumado. Veio a fazer-se dama ambiciosa de mais refinadas delícias; assentou vivenda nas cidades; fez-se muito sábia, muito altiva, muito malédica, muito contraditória; ora devota, ora ímpia, ora frívola, ora profunda; mas lá os seus campos nunca se lhes desluziram da lembrança.
Em nenhuma parte a ouvireis cantar combates, viagens, descobrimentos, artes, luxo, amores, ou desejos de melhor vida para além-mundo, que lhe não fugisse um olhar de saudade para o seu paraíso de flores.
A idade de oiro, que é a sua cisma contínua, posta umas vezes no passado, outras no futuro, a idade de oiro, (que Deus sabe se é tão fabulosa como cuidam, a não ser em relação ao seu título), que era ela se não a Arcádia, o viver campestre, manso e regalado?

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Leitura encenada pelo grupo de teatro GATAM da SRManjoeira

A viagem fez-se a salto para França através do "Livro" de José Luís Peixoto.

Os leitores ocuparam os seus lugares no comboio que seguia para França. Ouvimos vozes. Eram os outros viajantes que seguiam connosco (atrizes do GATAM da SRManjoeira). Estávamos nos anos 60/70 do século passado. Nessa altura partiram de Portugal cerca de um milhão e meio de pessoas, dos quais um milhão foi para França  à procura de uma vida melhor. Fugiam por razões económicas mas não só, também fugiam da Guerra Colonial, por a considerarem injusta.
Esta é a temática central do Livro de José Luis Peixoto que nos dá um retrato bastante realista daqueles anos. As palavras do escritor levam-nos efetivamente a ocupar o lugar numa das camionetas e/ou comboios que os levavam a “salto” ou, como se dizia naquele tempo com “passaporte de coelho”.
Esta obra literária estabelece também um paralelismo entre as condições de vida miseráveis vividas nas aldeias e vilas de Portugal, sobretudo as do interior,  e as condições de vida em França, como por exemplo, no Bidonville de Saint-Denis, um dos bairros de barracas para onde iam viver os portugueses.
Constitui também um retrato fiel da vida de muitos portugueses num Portugal subjugado pela ditadura salazarista.
Estes assuntos ocuparam o serão num debate rico, explorando os personagens também eles ricos e bastante elaborados, como Ilídio, Adelaide, Josué, Constantino e tantos outros que são bem representativos deste jeito de ser gente em Portugal.
Houve quase unanimidade em considerar o Livro como uma obra literária de grande valor, pese embora, a segunda parte do livro não tenha sido do agrado da maioria dos leitores que a consideraram quase dispensável no romance.