Dizia-vos
eu, meus camponeses, que todos os poetas deveras eram vossos amigos;
não há nada mais certo.
A
Poesia nasceu nos campos, e por muito tempo só conheceu esse viver
viçoso e perfumado. Veio a fazer-se dama ambiciosa de mais refinadas
delícias; assentou vivenda nas cidades; fez-se muito sábia, muito
altiva, muito malédica, muito contraditória; ora devota, ora ímpia,
ora frívola, ora profunda; mas lá os seus campos nunca se lhes
desluziram da lembrança.
Em
nenhuma parte a ouvireis cantar combates, viagens, descobrimentos,
artes, luxo, amores, ou desejos de melhor vida para além-mundo, que
lhe não fugisse um olhar de saudade para o seu paraíso de flores.
A
idade de oiro, que é a sua cisma contínua, posta umas vezes no
passado, outras no futuro, a idade de oiro, (que Deus sabe se é tão
fabulosa como cuidam, a não ser em relação ao seu título), que
era ela se não a Arcádia, o viver campestre, manso e regalado?
Livros
dos mais antigos do mundo, os de Moisés e os de Homero, uns e outros
mananciais de Poesia, não têm página, que nos não espelhe uns
reflexos das bem-aventuranças patriarcal e heroica, que são também
Arcádia, com leves modificações.
Passaram
os povos antigos, com as suas religiões e usos particulares. Nos
escritos que de então sobreviveram, que é o que mais nos encanta?
Não são por certo as descrições dos seus usos exclusivos, ainda
que para aí se atrai fortemente a curiosidade; são, sim, os toques
alusivos ao viver rural, porque enfim, aí é que é o ponto de
contacto de todas as idades, e de todas as civilizações. O campo é
que é o centro de unidade da espécie humana.
(…)
(Terceiro
serão do casal – Índole campestre da Poesia, Felicidade pela
Agricultura, 1849)
***
António
Feliciano de Castilho nasceu em Lisboa no dia 28 de Janeiro
de 1800 e faleceu na mesma cidade no dia 18 de Junho de 1875. Aos
seis anos, por motivo do sarampo, cegou. Não obstante isso, seguiu
estudos regulares, graças ao auxílio de seu irmão Augusto
Frederico. Em 1817, matriculou-se na Universidade e em 1826 formou-se
em Cânones. A seguir, fixou-se com o irmão em Castanheira do Vouga,
perto de Águeda, e aí se conservou uns oito anos, em situação que
muito favoreceu o estudo e a produção literária. Esteve na Madeira
e nos Açores e visitou o Brasil. Dedicou-se à tradução de obras
em latim, francês e inglês. É um dos principais autores do
Romantismo em Portugal.
Obras: Cartas
de Eco e Narciso (1821); A Primavera (1822); Amor
e Melancolia (1828); A Noite do Castelo (1836); Os
Ciúmes do Bardo (1836); Crónica Certa e muito
Verdadeira de Maria da Fonte (1846); Felicidade pela
Agricultura (1849); Escavações Poéticas (1844); O
Presbitério da Montanha (1844); Quadros da
História de Portugal (1838); O Outono (1863).
Traduções: A
Lírica de Anacreonte; Metamorfoses e Amores, de
Ovídio; Geórgicas, de Virgílio; Médico à
Força, Tartufo, O Avarento, Doente
de Cisma, Sabichonas e Misantropo, de Molière; O
Sonho de uma Noite de S. João, de Shakespeare; Fausto, de
Goethe; D. Quixote de La Mancha, de Cervantes.
***
É sempre bom recordar os escritores portugueses, mas por acaso, relembro sempre Feliciano Castilho ligando-o à Geração de 70 e aos conflitos entre Antero de Quental e ele. Como simpatizo bastante com a causa da Geração de 70, lá fica o Feliciano prejudicado.
ResponderEliminarPartilho aqui duas páginas de uma carta de Antero Quental a Feliciano Castilho muito interessante.